O budismo é às vezes considerado uma filosofia, e não uma religião, porque as verdades que se encontram no cerne da iluminação do Buda são tão profundas e abrangentes que parecem ter caráter mais filosófico do que religioso. Na noite em que se iluminou sob a Árvore Bodhi, o Buda compreendeu muitas verdades simultaneamente. Uma das mais profundas e significativas foi a verdade universal da Gênese Condicionada, uma das ideias centrais do budismo e uma das mais importantes do mundo.
Aspectos Fundamentais da Gênese Condicionada
O que é Gênese Condicionada? É a noção de que nada, nenhum fenômeno surge do nada e tampouco pode existir de forma autônoma, por si só. De acordo com o Sutra Lankavatara, Gênese Condicionada significa que “fenômenos não surgem independentemente; surgem na dependência uns dos outros”.
Gênese condicionada, causa e condição
O Buda disse que todos os fenômenos são gerados por uma combinação de causas e condições. Sem causas e condições, nenhum fenômeno surgiria ou existiria neste mundo.
Colocada assim, de forma simples, a ideia da Gênese Condicionada pode parecer óbvia e trivial. Entretanto, suas consequências são profundas, pois ela implica que nada tem existência própria independente. Não há um “eu” que exista separadamente de outras coisas. Significa também que não existe fenômeno permanente ou absoluto em nenhum lugar do universo. Uma vez que todos os fenômenos são interdependentes, nenhum pode ser permanente ou imutável. Tudo se transforma.
O Buda disse que nada é permanente, que tudo, em todos os lugares, depende de causas e condições e, se as causas e condições que geram ou sustentam um fenômeno forem removidas, o fenômeno cessa de existir. O Buda disse: “todos os fenômenos surgem de causas e condições. Todos os fenômenos são destruídos por causas e condições”.
Mas o que são causas e condições? De onde vêm elas? A resposta é: causas e condições são fenômenos que surgem devido a outras causas e condições.
O Buda deu a certos fenômenos o nome de “causas” e a outros, o de “condições”. Fez isso para nos ajudar a compreender a forma como as coisas aparecem e desaparecem, como os fenômenos surgem e se extinguem. As palavras “causa” e “condição” só têm sentido em relação uma com a outra. O que é uma causa aqui pode ser vista como um fenômeno ali ou como uma condição acolá. Tudo depende do ângulo de observação.
Causa e condição são os dois elementos básicos que produzem todos os fenômenos no universo ou que são subjacentes a eles. Entre os dois, a causa é fator mais poderoso do que a condição. No entanto, se causa e condição não atuarem em conjunto, nenhum fenômeno poderia jamais se manifestar ou existir.
Um exemplo: para que uma semente germine, são necessários solo, água, ar e luz solar. Nesse caso, a semente corresponderia ao que chamamos causa, enquanto solo, água, ar e luz solar equivaleriam ao que chamamos condições. Um resultado ou efeito é produzido quando todas as causas e condições adequadas estão presentes. O Sutra Shurangama diz: “Não existe nada no budismo, do começo ao fim, ou em todo o universo, que não seja determinado pelas duas palavras ‘causa’ e ‘condição’”. De acordo com o Sutra do Grande Nirvana: “todos os fenômenos surgem de causas e condições”.
A Gênese Condicionada não foi inventada pelo Buda. Ela é um princípio universal que está na base de todos os fenômenos do universo. Ao se iluminar, o Buda “simplesmente” descobriu esse princípio. Aquele ser humano se tornou um Buda, justamente por ter compreendido a Gênese Condicionada. Depois de se iluminar, ele ensinou aos outros o que havia compreendido. Ensinou que, quando contemplam as infindáveis interações entre causa e condições, os seres sencientes, presos ao ciclo de nascimento e morte, conseguem ver que sua vida não foi criada por algum deus postado fora do universo, mas que sua vida é o resultado de uma complexa interação entre causas e condições.
São as causas que nos levam a nascer no paraíso.
E são as causas que nos levam a nascer nos reinos inferiores.
Causas levam ao nirvana. Todas as coisas são causadas.
Sutra do Grande Nirvana
Gênese condicionada, causa e efeito
Na seção anterior, abordamos a Gênese Condicionada do ponto de vista das causas e condições que produzem todos os fenômenos do universo. Nesta seção, para aprofundar nossa compreensão, focalizaremos as interações de causa e efeito, que são aspectos universais de todos os fenômenos. Todos os fenômenos são causados e produzem efeitos.
Porque isto existe, aquilo existe. Porque isto surge, aquilo surge. Se isto não existir, aquilo não existirá. Se isto for extinto, aquilo se extinguirá.
Samyukta Agama
“Isto” e “aquilo” nesse trecho são termos referentes à causa e efeito. De acordo com essa máxima, nem a causa nem o efeito tem natureza independente – os dois elementos existem em estado de interação dinâmica. Sem um, o outro não existiria. Os termos “causa” e “efeito”, assim como “causa” e “condição”, são conceitos relativos, que só têm significado em relação um com o outro.
Na realidade, este universo é uma rede extremamente complexa de fenômenos que se entremeiam e inter-relacionam de forma dinâmica. Os budistas utilizam os termos “causa”, “condição”, “efeito” e “resultado” para facilitar o entendimento de algumas das características gerais dessa trama interativa dinâmica. E compreender esse universo dinâmico é importante, pois vivemos nele e fazemos parte dele. Assim, o que pensamos a seu respeito tem grande influência sobre nós mesmos e sobre outros seres. Alguns conceitos fundamentais à compreensão budista de causa e efeito são:
Não existe causa inicial e não existe efeito ou resultado final. O Buda falou sobre “tempo sem começo”. Isso quer dizer que, por mais que voltemos no passado procurando a causa inicial, sempre haverá outras anteriores, assim nunca chegaremos à causa original. Mencionou também “tempo sem fim”, significando que, por mais que procuremos pesquisar o futuro, sempre haverá mais um efeito e mais um e assim por diante.
Causa e efeito são relativos um ao outro, nenhum dos dois é absoluto. Causas produzem efeitos, que por sua vez geram outros efeitos e, dessa forma, transformam-se em causas. Causa e efeito são, na verdade, os elos encadeados de uma interminável cadeia de eventos. Vista sob uma determinada perspectiva, uma causa é uma causa. Vista de outro ângulo, aparece como efeito.
Causas e efeitos perduram no tempo. Há quem tenha dificuldade em entender e aceitar que todo comportamento proposital gera efeitos. Não há onde se esconder do próprio carma. Mesmo que transcorram 10 milhões de anos, chega um dia em que os efeitos cármicos do comportamento acabam por se manifestar. A maioria das pessoas não consegue conceber que as causas cármicas fiquem armazenadas por períodos tão longos e que sempre retornem e afetem a “pessoa” que as produziu. Isso acontece porque a base de uma “pessoa” é a mente. As sementes cármicas ficam estocadas no fluxo mental que segue seu caminho ao longo das eras. Nunca ninguém recebe nada que não mereça nem paga por nada que não esteja devendo. A mente é mais fundamental do que o tempo.
Causa e efeito são duas faces da mesma moeda. Cada causa contém efeitos, da mesma forma que cada efeito contém uma causa. Quando plantamos feijão, não colhemos melão. Aquele que intencionalmente realiza más ações, jamais colherá o bem como recompensa.
Para Compreender a Gênese Condicionada
Além dos quatro aspectos fundamentais sobre causa e efeito já expostos, os budistas costumam falar de seis outras formas de se compreender causa e efeito:
Discutiremos a seguir cada um desses conceitos, pois ponderar sobre o significado e as implicações dessas ideias fundamentais leva a uma compreensão melhor da Gênese Condicionada.
Efeitos são gerados por causas
A Gênese Condicionada depende primordialmente da presença de uma causa; em seguida, de condições adequadas. Quando as causas e condições estão certas, um resultado ou efeito é produzido. Sem causa, impossível haver efeito. Tampouco haverá efeito se a causa estiver presente, mas as condições forem inadequadas.
No budismo, a causa por trás do efeito é considerada de importância primordial para o efeito, ao passo que as condições para que a causa gere um efeito são consideradas de importância secundária – constituem “fator auxiliar” da causa. Na concepção budista, a causa é vista como requisito “interno” por trás de um efeito, ao passo que as condições seriam requisitos “externos”. Causas são geradoras “diretas” e condições são geradoras “indiretas” de efeitos.
Um exemplo: todos os seres humanos têm em si a semente (causa) da budeidade; contudo, se não cercarem essa semente de condições adequadas (estudando o Darma, praticando os preceitos e assim por diante), ela provavelmente não germinará nem se tornará uma planta saudável. Do mesmo modo, uma pessoa que tenha dentro de si uma semente de raiva pode conseguir armazená-la por muitos anos. No entanto, se condições adequadas se apresentarem, a semente poderá irromper de forma repentina, “sem nenhuma razão aparente”. A causa é o pré-requisito essencial de um efeito; condições são o requisito secundário.
Todos os fenômenos do universo são governados por causas e condições. A ascensão e a queda das coisas são governadas por causas e condições. Sem causa, não pode haver efeito. Sem causa, nada pode existir no mundo dos fenômenos.
A percepção da aparência depende de condições
“Aparência”, aqui, também poderia ser definida como “características únicas” ou “características próprias”. Todos os fenômenos compartilham certas “características universais”, a saber: a impermanência e a interconexão. Além dessas, cada fenômeno é marcado por “características particulares”. O fogo é quente, o gelo é frio, pessoas têm fisionomia diferente. Essas características não podem ser percebidas, a não ser que as condições para a percepção sejam adequadas.
Exemplificando: se não conhecermos um idioma, perceberemos seus sons de forma diferente de alguém que o conheça. Se tivermos sido educados em uma determinada cultura, será difícil para nós percebermos aspectos sutis de outra, sem primeiro estudá-la. Ou seja: nossa percepção das aparências externas é profundamente afetada pelo nosso condicionamento mental.
O Buda ensinou que esse condicionamento é tão absoluto que determina até o mundo em que vamos nascer. O motivo de nascermos em um corpo humano nesta vida é que as condições de nossa mente nos levaram a essa forma, assim como a todas as “aparências” a ela associadas. Quem nasce neste mundo em um corpo animal percebe-o de uma forma totalmente diferente de nós, porque o condicionamento subjacente à sua mente é diferente do nosso. O Buda enfatizou a importância dos atos intencionais por saber que as condições da mente são criadas por eles. Uma vez que, nossas mentes tenham sido condicionadas, então, nosso mundo “aparecerá” à nossa volta de um jeito consoante com este condicionamento.
Eventos dependem de princípios
Todos os fenômenos, todas as aparências e todos os eventos dependem de princípios subjacentes. Eventos estão sempre vinculados a princípios. Não existe evento sem um princípio-mestre, não existe princípio-mestre sem evento. Na prática, isso significa que o universo tem uma base racional. O tampo da mesa não vai se transformar de repente em um elefante, assim como o seu automóvel não vai desaparecer sem nenhuma razão. Quem plantar uma semente de abóbora não colherá tomates. Determinado tipo de causa produz efeitos correlativos. Se você bater em um pedaço de madeira, ele não soará como um sino.
Os muitos surgem do único
No budismo, existe uma conexão muito importante entre um começo simples e um resultado complexo. As pessoas, em sua maioria, não veem o mundo dessa forma e, assim, não colhem benefícios de suas práticas budistas. Para elas, uma coisinha não passa de uma coisinha – não compreendem o potencial oculto em cada coisa, em particular na mente humana.
Uma única fruta pode conter sementes para produzir muitas plantas, da mesma forma, mesmo um singelo ato de bondade pode gerar efeitos com poder suficiente para mudar o mundo. Tudo o que fazemos intencionalmente produz efeito cármico. Um pequeno ato de crueldade intencional pode levar a efeitos desastrosos, ao passo que um pequeno ato de autêntica generosidade engendrará efeitos maravilhosos.
A existência sustenta-se no vazio
Os princípios que estamos discutindo – “efeitos são gerados por causas”, “eventos dependem de princípios” – existem de fato. No budismo, é dito que a existência deles sustenta-se no vazio.
“Vazio” significa não ter natureza individual, não ter natureza independente. Todos os fenômenos estão interconectados e, portanto, é impossível afirmar que algum tenha uma “natureza” própria permanente e duradoura. Em última análise, todas as coisas são “transparentes” ou “vazias”; todas se sustentam no vazio. Para ilustrar esse ponto, usa-se em geral o exemplo de uma mesa.
Eis como ele é formulado. Uma mesa de madeira existe, mas se sustenta no vazio. Existe porque pode ser tocada e utilizada. Sustenta-se no vazio porque, em última análise, não tem natureza própria. A mesa vem da árvore, que depende de solo, água e luz solar para crescer. Alguém teve de derrubar a árvore e carregá-la; alguém fez a mesa; alguém a colocouem sua sala. Quandodelineamos as causas e condições das quais a mesa depende para existir, vemos que, no fundo, não existe uma “natureza da mesa” em si que tenha vindo para a sala. O que existe, isso sim, é apenas uma complexa teia de interconexões e mudanças. Se um único elemento tivesse sido removido dessa teia, é possível que a mesa nunca chegasse a existir.
Nada disso significa que a mesa não exista, apenas que ela se sustenta no vazio. A mesa que utilizamos pertence à realidade convencional. O vazio da mesa é sua realidade última. Para compreender o vazio, faz-se necessário entender a impermanência e a interconexão de todas as coisas. Quando virmos que todas as coisas são impermanentes e interconectadas, perceberemos que nenhuma delas tem natureza própria autônoma.
O grande filósofo budista Nagarjuna (c. séculos I-II E.C.) disse que, se houvesse uma única coisa permanente neste universo, então, tudo o mais seria permanente e, em consequência, nada existiria. As coisas existem, mas se sustentam no vazio. Sem a mudança, nosso mundo não existiria.
Não se deve permitir à mente se apegar à forma, nem ao som, ao odor, ao paladar, ao tato. Não se deve permitir que a mente se apegue a nada. É assim que se desperta a verdadeira mente.
Sutra Vajracchedika-prajñaparamita (Sutra Diamante)
O Buda é moldado a partir de um ser humano
Um Buda é um ser humano que se fez Buda. No Sutra do Grande Nirvana, o Buda Shakyamuni disse: “Todos os seres sencientes do universo têm a sabedoria e a virtude de um Tathagata, só não as compreendem por causa de seu apego à ilusão”.
Várias vezes, o Buda disse que todos temos natureza búdica, bastando a qualquer um esforçar-se na purificação de sua mente por um período de tempo suficientemente longo para chegar a perceber a realidade de sua natureza búdica.
As causas de nossa ilusão são as impurezas mentais – cobiça, raiva e ignorância. A causa de nos tornarmos Buda é a eliminação dessas impurezas. Estas são como as nuvens escuras que ocultam o brilho da lua, como a lama que polui a limpidez de um lago.
Um dos primeiros passos para quem aspire tornar-se um Buda é ter plena compreensão da importância do binômio causa e efeito, pois essa é a “ferramenta” com a qual se purifica a mente. O bom comportamento nos leva à pureza. O mau comportamento nos faz ficar ainda mais enredados na ilusão.
O Sutra sobre os Princípios das Seis Perfeições explica: “Todos os seres sencientes penetram na sabedoria do Buda por meio da purificação da mente. A natureza fundamental de um Buda não é diferente da natureza de nenhum outro ser senciente”. O Sutra Plataforma do Tesouro do Darma, do Grande Mestre, o Sexto Patriarca Huineng diz: “O Buda é um ser senciente que se iluminou. O ser senciente é um Buda que ainda não se iluminou”.
A mente é constantemente influenciada por darmas impuros que só cessam depois de se conquistar a budeidade. A influência dos darmas verdadeiros, contudo, não tem fim. Como compreender essa verdade? Devemos entender que, se permitirmos que os ensinamentos do Buda nos influenciem constantemente, nossa ilusão cessará e o corpo do Darma aparecerá diante de nós.
Tratado sobre o Despertar da Fé no Maaiana
As quatro condições
Para que causa e efeito atuem é preciso haver condições adequadas. A Gênese Condicionada é a influência recíproca que causa, efeito e condições exercem entre si. A causa é primordial, mas as condições são extremamente importantes. No que diz respeito à nossa discussão sobre Gênese Condicionada, há quatro tipos fundamentais de condições que discutiremos a seguir:
Condição causal. A causa de um fenômeno, quando intrínseca a ele, é chamada de “condição causal”. A semente que gera um broto, por exemplo, é considerada sua condição causal, já que de alguma forma o broto está contido na semente. É diferente da luz solar, que faz o broto crescer, mas é extrínseca à semente e ao broto. Também o comportamento humano é gerado por causas intrínsecas e extrínsecas – a semente intrínseca do riso humano (a condição causal) normalmente só brota quando for estimulada por uma causa extrínseca – uma anedota, por exemplo.
Condições ininterruptas. Referem-se principalmente às condições da mente e às vezes são chamadas de “condições sucessivas”. A mente movimenta-se muito depressa de um pensamento instantâneo ao seguinte. Quando o Buda contemplou essa sucessão de instantes, viu que não há intervalo entre eles. Compreendeu que do “conteúdo” do pensamento, em um determinado instante, deriva o conteúdo do pensamento no instante seguinte, não sendo necessário o auxílio de nenhum agente externo para esse processo ininterrupto, que ocorre na mente e independe de qualquer outro meio que não ela. O exame cuidadoso das condições mentais ininterruptas leva a uma ampla compreensão do funcionamento do carma e da mente humana.
Condição condicional. Condições condicionais são aquelas extrínsecas que surtem algum efeito sobre a mente. Intrínseca à mente é a consciência da visão, mas, sem forma e luz extrínsecas, essa consciência não funciona. O mesmo acontece com os outros sentidos. O Buda disse que o próprio pensamento não pode ocorrer sem condições condicionais extrínsecas do passado, do presente e do futuro.
Outras condições. Esse item compreende todas as condições não classificadas entre as três anteriores. São condições que auxiliam o processo de causa e efeito ou que não o obstruem. O fato de um cervo não ter comido uma amora é uma das outras condições que “geraram” a amora.
Esses quatro tipos de condição também podem ser vistos como “condições diretas” e “condições indiretas”. Considera-se que todas as condições causais operam diretamente no fenômeno, ao passo que os outros três tipos têm operação indireta.
Outra forma de perceber os quatro tipos de condição é a seguinte: as condições causais e as outras condições são, em si, suficientes para produzir fenômenos materiais. Por outro lado, a mente requer todas as quatro condições para operar.
Todos os eventos no universo têm causas e condições. Causas e condições geram o sucesso ou o fracasso de qualquer evento. Pode parecer que o sucesso ou o fracasso de algo que eu faça tenha sido gerado por outra pessoa, mas a verdade é que todos os eventos que me afetam são gerados por causas que eu mesmo criei em algum momento passado. A aparência de que alguém está me fazendo alguma coisa, não passa disso – aparência. Quem compreender bem esse ponto vai se sentir alegre e contente em todos os momentos e não experimentará ressentimento nem necessidade de reclamar.
Mestre Yinguang
Gênese Condicionada e Vida Humana
A Gênese Condicionada mostra como funciona o processo universal da mudança. E nos aponta também a origem do sofrimento humano. Se ignorarmos ou desconsiderarmos o fato de que tudo é impermanente e que as coisas surgem e desaparecem em razão de causas e condições, estaremos determinando nosso próprio sofrimento. Ao ignorar a realidade da Gênese Condicionada e nos aferrar às ilusões de permanência, causamos sofrimento para nós mesmos.
Por outro lado, se permanecermos cientes das forças de transformação que trabalham constantemente no mundo dos fenômenos, estaremos preparados para lidar com elas de forma positiva e produtiva. Compreendendo que os muitos nascem do um e que todas as condições são causadas, entenderemos como gerar boas condições em nossa vida, assim como no mundo em geral.
A verdadeira compreensão da Gênese Condicionada traz alegria à mente, porque nos mostra como viver. A Gênese Condicionada ensina que não somos vítimas indefesas, fadadas a uma vida de dor e impotência. Com ela aprendemos que nosso futuro está em nossas mãos. As condições futuras são determinadas pelas sementes causais que plantamos hoje. A libertação é alcançada pela compreensão dessa verdade e de sua utilização para o aperfeiçoamento de todos os seres. A clara compreensão da Gênese Condicionada confere grande força à mente, porque essa verdade nos ensina a ver o que é realmente valioso na vida e como transformar circunstâncias negativas em positivas.
A Gênese Condicionada mostra que nada é permanente neste mundo e ensina por que as coisas são assim. Compreender esse conceito é entender que todos os fenômenos são condicionados por outros fenômenos e que todos eles “se sustentam no vazio”. Nada tem natureza individual própria, nem mesmo nós – em última instância, nós também somos vazios. A clara compreensão dessa verdade leva à libertação em uma realidade que está além da cobiça, da raiva, da ignorância, do apego, do sofrimento e de todas as ilusões da dualidade.
Contemplar frequentemente a Gênese Condicionada pode nos inspirar gratidão pelo que temos e pelo mundo em que vivemos; nos ensinar a fluir com a vida de forma a beneficiar tanto a nós próprios como aos outros. A Gênese Condicionada nos incute esperança, mostrando-nos como compreender o mais profundo significado da vida. O Sutra Shalistamba (Sutra do Pé de Arroz) diz: “Ver a Gênese Condicionada é ver o Darma único. Ver o Darma único é ver o Buda”.
Discípulos do Buda, ouçam atentamente, pois o que ouviram são ensinamentos verdadeiros.
Não ouçam esses ensinamentos sem nada fazer com eles.
Para se beneficiar dos ensinamentos do Tathagata, é necessário que se permitam fluir com eles, como se estivessem flutuando em uma corrente d’água.
Se resistirem a eles, serão como quem nada contra a corrente e logo se cansa e se afoga.
Não ouçam esses ensinamentos sem nada fazer com eles.
Se ouvirem e não praticarem, serão como quem dispõe de um poderoso remédio, mas, porque não o toma, não se cura da sua doença.
Se ouvirem e não praticarem, serão como quem contabiliza a riqueza alheia, mas não tem nada que possa chamar de seu.
Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)
Capítulo 7 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün,
Escrituras Editora, 2ª edição revisada e ampliada, São Paulo, dezembro de 2011.