Muitos se perdem em seu estudo do Darma por não aplicarem corretamente o que aprenderam ou por aprenderem incorretamente. As verdades ensinadas pelo Buda são verdades fundamentais. São verdadeiras em todos os lugares, em todos os tempos e para todas as pessoas. Portanto, é extremamente importante confiar em si próprio durante os estudos.
Todos necessitam de livros, explanações e professores para estudar; entretanto, ninguém deveria jamais esquecer que nossas mais profundas percepções da verdade são, provavelmente, nossos guias mais importantes. Os quatro pilares são ideias que devemos ter em mente sempre que abordarmos o Darma. Elas não nos deixam cometer muitos erros, não nos permitem seguir falsos mestres, ficar confundidos com a linguagem, nem nos perder nas vaidades da mente.
O Buda foi um brilhante mestre que, além de ensinar aos seres sencientes o que aprender, os ensinou como aprender. A profundidade do seu insight é revelada pelo estudo. Nos parágrafos a seguir, comentarei as instruções do Buda sobre como estudar seus ensinamentos.
Apoie-se no Darma, não nas pessoas
As pessoas podem apenas interpretar o Darma, podendo, tão somente, ajudar-nos a aprendê-lo. Ninguém pode, simplesmente, dá-lo para nós. Quem não vivencia as verdades do Darma nem as aplica à própria vida não aprende o Darma, apenas se informa a respeito dele. As verdades mais elevadas exigem, em última instância, ser vivenciadas. Por milhares de anos, os mestres e praticantes budistas estudaram as verdades ensinadas pelo Buda até conseguirem experimentá-las por si mesmos.
Quem tenta tomar emprestada a experiência alheia ou permite que a sensibilidade do outro substitua a sua própria não aprende rapidamente. A sabedoria é algo que não pode ser memorizado. O Darma não deve ser imitado. Sempre que aprendemos algo com alguém, precisamos examinar essa mensagem sob a lente da nossa introspecção. Então, se nos parecer verdadeira, devemos internalizá-la e fazê-la nossa. Caso contrário, busquemos resposta em outro lugar.
É desnecessário dizer que um professor que aconselhe alguém a prejudicar a si próprio, ou aos outros, nunca deve ser seguido. É inevitável que pessoas de todos os tipos nos ajudem em nossos estudos, contudo, se as seguirmos muito de perto ou indiscriminadamente, é possível que acabem por nos prejudicar. Não pensar por si próprio contradiz o ensinamento básico do Buda.
Certa vez, um aluno perguntou ao mestre chan Zhaozhou (778-897) o que deveria fazer para aprender o Darma. O mestre respondeu: “Vou urinar agora. Você pode fazer isso por mim? É claro que não! Ninguém pode fazer por mim, algo assim tão simples! Se realmente quiser aprender o Darma, faça-o por si mesmo!
Apoie-se na sabedoria, não no acúmulo de conhecimento
No cerne dos ensinamentos do Buda está a sabedoria que já se encontra em nosso interior. Assim, ao estudar, é necessário que estarmos atentos a essa sabedoria. Podemos encher a cabeça com muitos fatos a respeito do Darma; entretanto, nem mesmo uma biblioteca repleta de relatos sobre fatos se iguala a uma única percepção clara da verdade que existe por trás deles. Ver a verdade é sabedoria, ao passo que conhecer a verdade é apenas conhecimento.
Não há nada de errado com o conhecimento, mas, por si só, ele nunca libertará ninguém das ilusões. Assim como o Darma é um espelho que reflete nossa sabedoria inerente, esta pode ser um espelho que reflete os eventos de nossa vida. Se voltarmos esse espelho para o mundo, veremos as coisas como elas realmente são, e não como as nossas impurezas nos dizem que elas são. Com a profunda sabedoria da mente interna, podemos ver a vida como ela realmente é.
Todos devemos estudar o Darma e aprender as complexidades dos ensinamentos do Buda, mas, ao aprender um fato novo, precisamos também garantir que o absorvamos em profundidade, pois quando absorvemos os ensinamentos do Buda, profundamente, a sabedoria inerente a todas as formas de vida consciente começará a despertar por si própria.
Apoie-se no significado das palavras, não nas palavras
O aprendizado humano é adquirido, em grande parte, por meio da linguagem. É principalmente com palavras que o Darma é ensinado, assim, as palavras devem ser respeitadas pelo importante papel que desempenham em nossa vida, mas nem por isso devemos nos deixar aprisionar por elas. As verdades que o Buda descreveu com palavras não estão nas palavras em si; são verdades que transcendem, completamente, as palavras. Esquecer isso é esquecer a essência da mensagem do Buda.
No passado, era hábito dos mestres chan chocar as pessoas com palavras ou atos, justamente com o objetivo de abrir a mente delas para esse fato. As palavras devem ser utilizadas, mas não podemos permitir que elas nos usem. Xingando seus discípulos ou ridicularizando a Joia Tríplice (ver Capítulo 5), os mestres chan pretendiam chocar levando à compreensão de que nenhum pensamento produzido pode ser aceito como verdade e que nenhum conjunto de palavras é sacrossanto. Até nossa reverência pelo Buda pode se tornar um obstáculo para o nosso crescimento se não compreendermos que o verdadeiro Buda é um estado mental, e não um mero símbolo ou história que exista em algum lugar fora de nós.
O mestre chan Linji Yixuan (c.787-867) gritou certa vez, bem alto: “Se o Buda Shakyamuni viesse aqui hoje e começasse a pregar o Darma, eu o espancaria com uma vara até a morte e com seu cadáver alimentaria os cães!”
A irreverência do Budismo Chan, principalmente por ser já tão antiga, é um valiosíssimo elemento da tradição budista. Suas palavras ferozes sempre nos lembram de que não devemos usar o budismo para com ele construir castelos no ar ou um mausoléu. Não é verdadeiro um ensinamento que não possa ser vivido e experimentado. Se não pudermos começar de onde estivermos, em nosso esforço para aprendê-lo, ele não será de nenhuma valia para nós. Poderíamos também espancá-lo com uma vara atéa morte e com ele dar de comer aos cães.
“De que serve o Tripitaka? Traga-o para mim que eu o usarei como trapo para fazer limpeza!” Essa frase – que se refere aos sutras sagrados do budismo – é outra das famosas observações chocantes do mestre Linji. Ele foi um monge que dedicou sua vida ao Darma e agia desta maneira, não por ter se arrependido de sua decisão [de ser monge], mas para ensinar que não devemos nos aferrar às palavras. Ele também poderia ter dito que a linguagem não passa de uma série de sons pronunciados pela boca de alguém, sendo a verdade algo muito mais grandioso do que isso. Palavras são como um dedo apontando para a Lua, e não a Lua em si.
Apoie-se no significado total, não no parcial
Isto significa que devemos estudar até que tenhamos compreendido a verdade profunda da mensagem do Buda, sem nos permitirmos parar em níveis mais superficiais de compreensão. O Buda disse muitas coisas a diferentes tipos de pessoas. Seu método de ensino costuma ser chamado de “meios hábeis” ou “meios eficazes”, porque o que era ensinado a diferentes públicos dependia da capacidade de compreensão de cada um deles.
Havia aqueles com maior dificuldade de aprendizado, com necessidade de exemplificações concretas de tudo o que o Buda dissesse, ao passo que – outros, com maior capacidade de aprendizado, conseguiam compreender os argumentos diretamente.
Os ensinamentos do Buda, portanto, versam sobre muitos e variados assuntos. A abrangência de seu propósito é ampliada ainda mais pelo fato de ele ter pregado o Darma durante 45 anos. À medida que o tempo passava, seus alunos foram se aprimorando e sua mensagem foi se aprofundando para se adaptar às suas sensibilidades mais aguçadas. A profusão de sutras e escolas que são provenientes daquele período é vasta e, por vezes, confusa até mesmo para estudantes avançados do Darma. Se não formos cuidadosos, podemos ficar preocupados com uma mensagem secundária, perdendo de vista a verdade profunda.
A verdade profunda do Darma é a mente búdica, ou a natureza búdica. Independentemente de quanto estudarmos, não devemos nunca nos permitir perdê-la de vista. A natureza búdica é a realidade que se encontra dentro de nós e que, ao mesmo tempo, nos transcende completamente. A forma correta de estudar o Darma é desenvolvendo uma relação com o Buda, tanto aquele que está em nosso interior como aquele que nos transcende. Quando conseguirmos ver o Buda em tudo, poderemos dizer que realmente compreendemos o Darma.